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terça-feira, 30 de junho de 2009

Ainda falta...

Última semana de aula. Para o estudante universitário, a prova de fogo. Se ele sobreviver, parabéns. Tem alguns dias de descanso. Se não, bem vindo ao clube.

Não só o universitário tem muitas (um uso vago da palavra, que poderia ser substituída por "milhões", "incontáveis", "toneladas de", "mols de") coisas pra fazer, como o resto do universo sente (isso mesmo, sente, como os cavalos sentem o medo de quem os monta) sua ocupação e o carrega mais ainda.

Para exemplificar o desespero do qual falamos, tomemos o exemplo de Máximo (Max para os amigos), que estuda na pacata Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Max tem cinco provas e quinze trabalhos que se concetraram na última semana de aula. Ele não chora, ele não desespera. "É só dormir menos e dedicar mais, que dá tudo certo". Ledo engando. Ele esqueceu que:

- Tem que dar aula de hipismo para cegos, todas quartas e sextas das 18:23 às 19:15. Tentará aproveitar o tempo encima do cavalo para estudar alguma coisa, mas o único que conseguirá é cair e machucar a bunda para valer.

- Hippo, o hipopótamo amigável do vizinho, está com hanseniase, e Max se comprometeu a cuidar dele. Não só isso já é uma tarefa desgradável, pois ele tem que catar os pedaços de si que Hippo deixa pela casa, senão improdutiva, porque não dá para fazer trabalho ao celular se Hippo, que já mais parece uma zebra raquítica, está olhando para ele.

- A tia avó do açougueiro da esquina precisa que alguém vai buscar o carro na consesionária. A princípio, Max poderia recusar, mas é bem sabido que o açougueiro acaba de morrer, e ele dava descontos para a mãe de Max. A sua mulher não parece ter gostado muito da tradição e está pronta para extinguí-la. O carro pode ser a única chance da família de Max continuar uma vida saudável com carne veremlha no cardápio.

- Jussana, a vizinha do terceiro andar, deu um jeito de entupir um dos canos de água de tal maneira que ele explodiu. Max não pode estudar mais no seu quarto, que agora ficou mofado, e tem que estudar na sala de estar, onde ninguém faz silêncio. Ah, e a água deu um jeito de entrar na tomada, o que causou um curto circuito que fritou o PC do Max.

Não precisa se sentir identificado. O estudante universitário está com muitas coisas pra fazer e não pode ler blogs.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Palavras de balcão

Não havia brisa que desce cabo daquele calor abafado. Apesar das altas horas, uma e quarenta da madrugada, o ar não circulava e o suor escorria pelo rosto das pessoas.

Num pequeno bar de subúrbio, um garçom cochilava no balcão. O lugar estava vazio exceto por um grupo boêmio de moscas que sempre freqüentava o local e se aproveitava dos restos de bebida e comida deixados em cima das mesas. E exceto, também, por um homem recostado na porta.

Um tipo comum, cabelos castanhos e grisalhos, altura mediana e um olhar perdido, que era o menor dos sinais que o álcool imprimira nele. O cheiro que exalava podia ser percebido há metros e seu andar em ziguezague comprovava que os treze copos cheios que bebera, definitivamente, não continham água.

Hesitante, o anônimo dava um passo adentro do bar e outro para fora. Há trinta minutos, sempre o mesmo movimento: encostava-se à pilastra da entrada, respirava fundo, entrava um passo, vacilava, pensava e voltava dois, parando fora do botequim. No balcão, o atendente já havia desistido de perguntar, todas as sete vezes que tentou foi ignorado.

Em uma de suas tentativas, o indigente acabou conseguindo. Às pressas, chegou ao garçom trocando as pernas:

- Me vê um ron, jovem. Seco. – Bradou firme o bêbado.

O garçom se espantou com a súbita compostura do idoso, se espantou tanto que acabou derramando a dose em cima do freguês.

- Desculpe-me, senhor. Foi um acidente.

O bebum olhou o trapo que vestia, agora molhado. E nem uma ruga de incômodo lhe surgiu. Usando da sabedoria do povo, aquela que se aprende na vida, na rua, ele disse:

- Não há de ser nada, meu caro. O que será isso daqui a dez anos? Não há de ser nada.

Dois olhares entediados se encontram numa festa de aparências. Duas bocas se abrem em sorrisos sinceros.

Depois de dez anos,

As mesmas bocas se juntam, selando um compromisso eterno.

Inconsequentemente, um homem dispara contra a mulher que resistiu ao assalto.

Dez anos, contados dia a dia, passados,

A porta do presídio se fecha atrás de quem pagou sua dívida.

Num lugar escondido de todos, um grupo de amigos se diverte. Um jovem decide saciar sua curiosidade perigosa.

Após dez anos,

Dá entrada no Hospital Central outra vítima de overdose que durou muito.

No “melhor aniversário de todos os tempos”, um garotinho ganha o “melhor presente do mundo”: um cachorro.

Dez anos depois,

As lambidas de um velho cão fazem cócegas na cabeça do jovem aprovado no vestibular de medicina veterinária.

Em 1976, uma garota sonhadora entrega panfletos libertários pelo centro da cidade. Foragida de quem não acredita na Igualdade, ignora a Liberdade e zomba da Fraternidade.

Depois de uma longa década,

Ela, menos jovem e mais jovial, comemora a saída do último homem a ditar a dor.

De volta ao boteco, o garçom desdenha:

- Que seja, velho. Só estou tentando ser educado. Outro ron? São mais R$ 2,50.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Não contavam com minha astúcia!

Então você acha que ninguém lê este blog. Que você, sentado aí lendo umas linhas e planejando ir embora sem comentar, é o único que já entrou neste troço. Muito errado você. Acontece que aqui entra gente de alto nível, que não tem tempo ou não pode expor sua identidade ao comentar nossos posts brilhantes.

Quer exemplos? Tá, eu dou exemplos. Sem ir muito longe, o reitor da UFMG, que disse recentemente numa assembléia que este é seu blog favorito. Antes dele tomar qualquer decisão que concerna a universidade, ele entra aqui e confere nossas opiniões.

Mais? O William Boner, como muitos viram no último jornal nacional, chamou isto de "um exemplo do talento que uma boa universidade pode acordar nas pessoas". Um correção, Boner: O talento a gente já tinha. A universidade só permitiu o encontro.

A Giselle Bundchen leu vários posts nossos antes de entrar no último desfile de Milão. Ela falou que se sentiu "confiante e leve; seus textos me fizeram rir tanto que esqueci do nervosismo." O marido, o Tom Brady, lê um post - com ajuda dela - antes de cada jogo.

O Steven Speilberg já confessou ter tirado algumas idéias daqui para o próximo longa dele. Ameaçamos - de brincadeira, claro - cobrar direitos autorais, mas ele levanta o ombro "What am I gonna do? The macacos are great!". A gente não cobra não, Steven, só pelo elogio.

Obama quis registrar nosso site pra campanha dele. Tivemos que lembrar que não somos americanos e, portanto, seria meio controverso participar da sua eleição. Ele não acreditou, falou que escrevíamos tão bem que parecíamos americanos. A gente relevou o preconceito.

Carla Bruni convenceu seu maridinho a fazer uma tradução institucional do site para que o povo francês tivesse direito a ele. A gente teve que desconvencer. "Somos três macacos, não tres mosqueteiros", tive que lembrá-la no meu francês rudimentar. Acho que a coitada não pegou a piada. O Nicolas riu.

Beyoncé falou que aprendeu português com o 3B, primeiro com ajuda do tradutor do Google, depois já conseguia ler quase tudo sozinha. O próximo single dela, "A woman amongst moneys", terá nossa presença no clipe. Prepare-se para nos ver rebolando em maiôs ajustados.

Ok, ok. Era tudo mentira. Mas você está lendo, e por agora, não podíamos pedir mais. Muito obrigado.

sábado, 20 de junho de 2009

Post inútil...

Semana passada não passei por aqui. Essa semana quase que passo direto de novo... sabe por quê? Milhões de coisas para fazer.

Foda-se se esse vai ser um post de reclamação. Não tô nem aí hoje. De vez em quando é bom escrever a toa, contando sobre a vida, o universo e tudo mais. Hoje foi um sábado completamente atípico. saí de casa bem cedo e cheguei quase meia noite. Motivo: coisas do trabalho. Mas nem reclamo porque foi muito interessante...

Mas cheguei tarde demais para raciocinar direito antes de escrever o post. Aliás, eu sempre escrevo no word antes de passar para o blogspot, mas hoje eu estou escrevendo o texto diretamente na plataforma do blog. Por quê? Sono, muito sono.

E olha que eu tomei Red bull. Mas aquele troço não funciona comigo. Talvez se eu tomar uns 5 o problema resolva. Sóq ue eu tenho um certo receio... vai que eu tenho uma overdose e fico acordado por sete dias seguidos. Tá, exagerei bonito. Mas pode acontecer, ora bolas.

Mas não hoje. O sono tá batendo muito forte aqui... post completamente inútil, mas tava precisando escrever algo assim. Boa noite para todos. Amanhã tenho que acordar cedo para fazer mais coisas do trabalho.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Mas já decidiram?

Quarta feira, 18 de junho de 2009.


Eu estava tranqüilo e calmo terminando de escrever minha crônica da semana para postar no 3B nessa quinta. É sobre como foi a comemoração dos Dias dos Namorados na minha cidade de origem, a Megalópole de Minas, Luz.

Enquando terminava de digitar as últimas frases, uma janela de msn piscou no canto da tela do meu computador.

- Mizaru, oito a um! Infelizmente. – Dizia a mensagem.

Eu já acompanhava as movimentações durante a tarde, apreensivo e ansioso. O problema [ou não] é que viajo longe quando estou escrevendo. De tranqüilo e calmo, subitamente, fiquei estressado e incrédulo: “Não pode ser, não pode ser....”

Mas era. O Supremo Tribunal Federal havia terminado de votar a Lei de Imprensa e a obrigatoriedade do diploma para exercer o Jornalismo foi abolida no Brasil.

Ontem, a blogosfera pirou. Sério pessoal, entrei nos blogs que costumo acompanhar e os jornalistas estavam num debate ferrenho. Se quiserem conferir parte disso, indico o “O biscoito fino e a massa”. Assim que saiu a decisão, o Idelber postou uma pequena lista com vários artigos de jornalistas se posicionando, a favor ou contra a postura do STF.

http://www.idelberavelar.com/



Com tudo isso acontecendo, por mais que esse blog seja livre, literário, engraçado e às vezes inútil, nós, os três macacos, somos todos estudantes de jornalismo. Então me senti obrigado a expor o que penso da discussão sobre o diploma.

O ponto mais importante que deve ser explorado, penso, é o quanto esse problema foi pouco debatido. Já li em alguns lugares que essa é uma “discussão antiga do jornalismo”, se é antiga acontecia no lugar errado ou, no mínimo, faltaram lugares certos para participar. Exemplo disso é a Universidade. Os estudantes, professores e profissionais ligados à area, deveriam ter voz nessa decisão.

Conversando com alguns professores meus, pude constatar uma opinião que têm sido negligenciada por muitos: existe um “fazer jornalístico” que não pode ser negado. Vários pesquisadores dedicaram, e outros tantos continuam dedicando, a vida inteira para desvendar esse mistério. Tentar se aperfeiçoar na arte do “bem comunicar”, transmitir uma idéia, perceber e dialogar com quem lê/assiste/ouve/navega. A [boa] universidade dá ao profissional de jornalismo formado por ela a capacidade de ir além de fazer matérias. Esse profissional debate, critica e desenvolve suas práticas.

O mais triste de tudo é ouvir argumentos tão estranhos quanto os que têm surgido de quem defende o fim da obrigatoriedade do diploma. Coisas como “para ser bom jornalista é preciso ter talento” ou “Jornalista nasce jornalista” eu não vou nem comentar direito. Pessoalmente, acredito na capacidade de aprendizado de todo ser humano sadio para qualquer objetivo, basta se dedicar.

Mas, o que me deixou mesmo chocado, foi uma declaração do excelentíssimo senhor ministro César Peluso ao portal G1: "Não existe no exercício do jornalismo nenhum risco que decorra do desconhecimento de alguma verdade científica". A ignorância [no sentido literal e não como xingamento] de uma figura tão importante em relação ao que julga me preocupa muito.

Como eu já disse, jornalismo não é só escrever. Pelo menos, o bom jornalismo não. Por isso também, tenho receio em aceitar a idéia de que economistas, políticos ou ambientalistas podem escrever matérias tão boas quanto um jornalista bem preparado. Conhecimento específico é uma coisa, uma coisa muito importante aliás, mas domínio no tratamento de informação e técnica de comunicação são outras bem diferentes.

Outro argumento que li bastante foi o de que diploma restringe a liberdade de expressão. Ora, o 3B mesmo é prova que de isso é pura balela! A internet possibilita que qualquer um que fale o que lhe der na telha. Foi-se o tempo em que governo conseguia calar completamente a voz de quem tem algo a dizer. Pode mandar embora, dificultar as coisas, mas no fim, a pessoa cria um blog, divulga e publica na web o que não poderia em outro veículo. [E assume as responsabilidades].

O único argumento que achei mais aceitável foi o de uma aluna de Comunicação aqui da UFMG. Para ela, o jornalismo não deve ser fonte de renda de ninguém, não no sentido que conhecemos. Sem a pressão dos salários [tenho que pagar contas, tenho que comer e etc] talvez a notícia fosse menos influenciada por interesses externos. Por isso, diploma não faria diferença. Mas isso é uma questão maior, um pouco filosófica sobre “o que é o jornalismo” e acho que passa bem mais pela ética do que pelo diploma exigido.

As coisas estão muito mal explicadas e foram resolvidas precipitadamente. A SERTESP (Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo) conseguiu com um lobby tremendo um parecer favorável da corte do STF, mas essa discussão ainda vai longe.

Por enquanto, o que resta é se agarrar à COMPETÊNCIA e buscar incessantemente a aprimoramento profissional ainda mais. Sem diploma exigido, quem pretender ser jornalista vai concorrer com jornalistas formados e outras pessoas que acreditam que saber escrever é sinônimo de informar com qualidade. Mas caso você não queira essa concorrência toda, arrume alguém para esquentar suas costas porque, infelizmente, essa é a técnica que tem sido mais eficiente pra conseguir um emprego na área hoje em dia.


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P.S.: Todas as opiniões acima são pessoais, não discuti com os outros macacos. Portanto, não necessariamente, esse artigo expressa a opinião de Kikazaru ou Iwazaru.

P.S.2: Seguindo a Tese do Kika: Hoje [quinta] só termina quando eu dormir.

P.S.3: Semana que vem posto a crônica sobre o dia dos namorados em Luz.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Uma companhia indesejada

A princípio, é difícil de notar. Ela está lá, quetinha no seu canto, sem falar muito. Até parece que ela não vai dizer nada, que está ocupada com outra coisa.

No entanto, no momento em que você decida encarar suas responsabilidades do dia/mês/ano/década, ela vai tossir. E limpar a garganta ruidosamente. Tudo de maneira delicada, mas significativa. Você vai perceber que ela está lá, mas vai fingir que nada está acontecendo. Afinal de contas, já enrolou demais.

Aí, com uns dez minutos de trabalho, ela vai espirrar. Forte. Ainda vai parecer accidental, mas sua presença vai começar a incomodâ-lo. Por que ela não fica quetinha de novo? Tava tão bom antes!

Depois de dez minutos ela vai começar a falar. Aí começa o calvário. A voz dela é suave, gentil, nada violenta. Diz até frases bonitas. "Deixe para depois". "Você tem todo o tempo do mundo para fazê-lo". Vai ser difícil ingnorá-la.

Após mais dez minutos, ela vai estar frenética. "Você naõ quer parar para fazer um lanchinho?". "Vamos dar um descanso de 10 minutos e ler aquela revista que você acabou de comprar!". "Levante um pouco, aposto que se corpo está doendo!".

Com mais dez minutos ela vai estar furiosa. "Esse negoço nem é tão importante assim! E tendo coisas tão maiss legais para fazer, como você pode perder seu tempo com isso! Chega!". Ou "Você já fez o suficiente! Mexer essas coisas de lugar é quase como organizá-las! é meio caminho andado! Vamos assistir um filme?".

Se você ainda não desistiu, parabenize-se: Você venceu a preguiça.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Os Mestres

Já virou bem tradiconal esquecermos ou ficarmos com preguiça de escrever homenagearmos alguém cedendo nosso espaço aqui no blog. Sendo assim, resolvi humildemente, fazer um tributo aos meus grandes ídolos da literatura nacional aqui no 3B. A partir de hoje, uma vez por mês pra subir o nível dessa joça , vou postar um texto de algum autor que admiro pacas!

Pra começar bem, vou publicar o texto de um dos caras mais inspiradores para mim. Sua capacidade narrativa e descritiva é surpreendente, envolvendo o leitor, fazendo-o pensar e sentir cada letra lida. O encontro marcado, literalmente, marcou minha vida e meus grandes amigos sabem porque. Piscina é um clássico da crônica brasileira, ácida e emocionalmente incandescente.

Enfim, muita gente já adivinhou. Aí vai!

Com vocês, o Mestre: Fernando Sabino



A Última Crônica

"A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso."

Crônica publicada originalmente no livro "A Companheira de viagem" (Editora Record, 1965)

terça-feira, 9 de junho de 2009

Felicidade em 6X sem juros

Cobertos de razão estão os que dizem que a felicidade não se compra. Já imaginou? "Essa semana tenho que pagar a parcela da casa, o carro e da felicidade. Menina, os juros tão me matando!". Além disso, cada um ia querer sua felicidade melhor do que a do outro. "A Renner tá em promoção, todas as felicidades com 30%... É uma loucura!" "Ah, não sei não, ouvi que a felicidade da Renner não é muito boa não. Olha a Mariana! Comprou lá e já está no terceiro divórcio!"

O fato é que o dinehiro se disfarça de felicidade, mas é seu pior inimigo. Pode falar, o momento em que seu salário é depositado parece, a primeira vista, um momento de extrema felicidade. Promessas de um futuro blihante, gostoso e seguro está a nossa frente. Pois é. Espera passar um - isso mesmo, um - dia.

Você vai descobrir que tinha esquecido que estava devendo dinheiro pra tia da empregada, e que o shampoo de frutas cítricas tá quase acabando. Não só isso, como sua mochila vai rasgar, a blusa nova vai encolher e a bateria do celular vai começar a falhar. Seu futuro lindo e sem preocupações se enche de nuvens pretas.

Vamos assumir - e e assumir mesmo, porque isto não pode ser verdade - que você não tinha planos para gastar seu dinheiro. Ou que tinha, mas decidiu aguardar até as coisas se acalmarem para se permitir alguns luxos. Pode ter certea que no dia menos proprício, aquele perfume que faz seus olhos virarem estrelas vai estar com 60% de desconto. Não dá pra perder, dá? Bom, você larga tudo para o ar e compra. Isso parece felicidade, não é? Pois é, mas chegando em casa, você sem dúvidas vai perceber que tava precisando o dinheiro para outras coisas, muito urgentes e que vão encher você de dívidas. Não só isso, como o preço do perfume COM CERTEZA vai cair depois de você comprá-lo.

Eis meu conselho: O dinheiro nunca te fará feliz, então não tente ser feliz com ele. A não ser que você tenha responsabilidades, não fique contando cada centavo e planejando o futuro. O dinheiro sempre vai faltar. Então use-o como ele usa você: Sem discrição. Que as coisas boas da vida, mesmo, essas são de graça.

sábado, 6 de junho de 2009

Uma paixão narrativa

Eu tinha o grande sonho de ser escritor. Desde pequeno me disseram para começar a exercitar, escrever diários, relatos de viagens... essas coisas bobinhas. Foi o que fiz. E comecei a tomar gosto pela coisa. Tomei um gosto ainda maior pelas narrativas. Ah, o fantástico mundo das histórias, repletas de personagens como só elas sabem construir, com uma trama envolvente e um final geralmente surpreendente.

Era o que eu mais gostava de escrever. E, na minha época, não houve ninguém melhor que eu. Escrevi best-sellers renomados no mundo inteiro. Fui o autor que permaneceu mais tempo no topo da lista dos mais vendidos. Quatro dos meus livros foram transformados em filmes que chegaram a concorrer ao Oscar de melhor longa e de melhor roteiro.

Vivia uma vida bem tranqüila. Escrevia por amor, pela simples paixão por aquelas palavras que surgiam suavemente, mesmo sem serem chamadas. Eu tinha quase um ano para produzir um novo material. E me divertia com isso durante os 365 dias.

Foi no meio de um trabalho que uma coisa me chegou de repente. Ela veio, tímida, como quem não quer nada. Veio entrando na minha vida aos pouquinhos e eu fui gostando. Sentia prazer toda vez que ela vinha, devagarzinho, e começava a deslizar suavemente pelos meus dedos.

Meus momentos com ela eram curtos, mas altamente reconfortantes. Não havia a necessidade de firmar um compromisso como com as longas narrativas. Ela me permitia falar de tudo, das coisas que estavam acontecendo no mundo, das banalidades. Deixava-me exibir meu humor ácido, meu sarcasmo sempre que possível. Ela vinha, deixava sua dádiva e ia embora. Simples assim. Fui, cada vez mais, me apaixonando por ela.

Nem sei o que tô pensando agora. Trai. Mas gostei muito. Foi duro quando tive que contar para a minha amada narrativa que queria dar um tempo. Ela não reagiu muito bem, tínhamos uma história ainda inacabada (que hoje reside nas pastas mais escondidas do meu notebook).

Agora só escrevo crônicas. E, cá entre nós, estou me divertindo muito mais...

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Razão de ser



A diligência não precisou parar para que ele saltasse. Com um grito de gratidão, se despediu do jovem rapaz comandando os cavalos:

- Adeus, não há meios de pagar por sua ajuda, garoto. – Disse o viajante para a carruagem que se afastava debaixo de uma garoa insistente.

- Disponha. Desejo-lhe sorte em sua empreitada, forasteiro.

Jean achou estranho ser chamado de forasteiro. Em tantos anos nunca havia se importado, mas naquele momento a palavra entrou dura pelos ouvidos dele. O “forasteiro” era um trovador. Com cerca de trinta anos de idade, mas com espírito de vinte, o artista viajava de cidade em cidade tocando o que, no mundo, lhe tocasse.

Não era sua primeira vez naquele pequeno vilarejo. Apesar das grandes diferenças pelas quais o lugar havia passado, tudo era muito familiar. Algumas casas a mais, novos moinhos, algumas oficinas recentes e o cheiro do esgoto a céu aberto parecia ainda mais forte. Porém, era o único pedaço da Terra onde ele não se sentia um estrangeiro.

A igreja ainda estava no mesmo lugar, a sede administrativa e a delegacia também. Alguns tradicionais artesãos, como sempre, vendiam seus produtos em frente os mesmos barracos surrados, onde um pedaço de couro seco protegia os utensílios da água fria que caía do céu. A diferença estava no semblante dos vendedores. Os reconhecidos por Jean tinham uma gravidade mais profunda nos olhos. Aquelas pessoas desconfiadas e mudas em nada se assemelhavam aos antigos olhos vivos e às vozes estridentes que preenchiam o ar da rua principal tempos atrás

Mas não só os habitantes tinham mudado, Jean, inexoravelmente, também era outro. Seu rosto mostrava bem a distância percorrida desde sua última vez nos becos estreitos e lamacentos do lugarejo. A respiração ofegante denunciava que o velho violão nas costas parecia mais pesado a cada passo. O único vestígio de bagagem, uma trouxa feita de lá, fazia o corpo do Trovador debandar com o peso, dando-lhe um aspecto debilitado e cansado.

Um garoto que brincava na chuva passou correndo. Sem ver, chocou-se com o artista e a trouxa de roupas caiu no chão se desfazendo sobre uma poça d’água. Jean viu subitamente o sangue se esvair do rosto do pequeno menino em sua frente, o medo era quase tocável. Houve um momento de silêncio. A submissão daquele menino aterrorizou o viajante e ele percebeu que a cidade havia mesmo mudado.

- Não se preocupe, garoto. Foi um acidente, uma brincadeira. – o músico-poeta abaixou-se, apanhou um pouco de água nas mãos e atirou no garoto que sorriu espantado – Pronto, agora estamos quites!

Absolutamente, havia algo errado. As pessoas estavam trancadas em casa, as crianças "sorriam". Crianças não sorriem, elas gargalham, gritam, jorram alegria. Sorrisos contidos são para os adultos amargurados pela vida. Um andante distraído podia culpar a chuva fina que caía, mas Jean sabia: não tinha nada a ver com aquilo. A natureza não tem humor, sempre é o Homem quem enxerga o que quer ver na nevasca ou no dia de sol.

O Trovador estava na cidade novamente por uma busca individual. Todo artista têm de ir aonde o povo está. E chega o dia de ir aonde o seu povo está, seus amigos fieis, sua família. Após décadas de peregrinação sem destino, caminhando, vendo, cavalgando, sentindo, navegando, compartilhando, festejando e vivendo, ele sabia que precisava voltar. De algum jeito, ele não se sentia legal.

Porém, além dessa tortura particular, o que lhe angustiava mais era a atmosfera pesada da cidadezinha. Todas aquelas pessoas abatidas e sorumbáticas fizeram Jean mudar seus objetivos.

A chuva, convenientemente, diminuiu ao ponto de se tornar quase imperceptível. Ele foi até a praça principal e se acomodou sobre um tronco de árvore caído, usado como banco.

Embora as saudades de sua mãe lhe ardessem no peito... Embora, mesmo depois de infinitos meses, o cheiro forte de fumo tão prórprio do pai estivesse claro na memória como água limpa… Embora quisesse, melhor, necessitasse ver seus irmãos mais novos o mais rápido possível… Jean era trovador. O Trovador é o artista do cotidiano e sua meta de vida é melhorar o dia de estranhos vistos aleatoriamente. Por isso tudo, com humor e paixão, tirou seu violão das costas e começou a cantar e declamar poemas para os que passavam.



P.S.: A profisão que eu gostaria de ter se tivesse nascido há uns 1000 anos.

P.S.2: Obrigado aos amigos que me ajudaram a escrever: Mateus Mancha, Nogueira, Gustavo, Samuel e demais. Ah, e muito obrigado Milton Nascimento por ser tão genial e ter composto essa obra prima: Nos bailes da vida.

terça-feira, 2 de junho de 2009

O Inusitado

O humor de uma crônica, como é bem sabido por muitos, consiste no inusitado. No meio de uma cena corriqueira, ou que fuja à rotina mas mesmo assim se encaixe nos padrões do normal, algo deve acontecer que tome o leitor, e talvez as personagens também, completamente por surpresa.

Para fazer uma crônica engraçada, então, procuremos uma situação corriqueira. Talvez, uma família de classe média. Saõ as seis, todos voltando de suas respectivas atividades. Agora, coloquemos uma supresa, não tão chocante, mas que pode adicionar um pouco de humor ao assunto. Por que não, a mulher, tradicional dona de casa, estava com o amante e perdeu a noção do tempo. Entra em pánico quando ouve a porta da frente abrindo e as vozes do marido e as crianças.

Ainda falta algo mais... Ah, sim. O amante é colega do marido, e hoje alegou estar gripado e faltou (ele também é casado). Assim como a mulher, entra em pânico e, como todo amante nessas horas, corre para o armário, semi nu. A mulher procede a pegar rápidamente as roupas e jogá-las dentro do móvel, que fecha no segundo exato em que o marido entra no quarto.

- Boa noite, querido! - diz, fingindo que se preparava para tomar um banho.

- Oi, amor. Como foi o dia? - pergunta ele, sentando na cama. Reparando que está desfeita, pergunta - Cochilou um pouco?

- É, eu estava muito cansada - responde ela, terminando de tirar a roupa e entrando no chuveiro - Como foi o dia? - repete.

Repare, leitor, que é insitindo na pergunta que ela está nos levando ao ponto crucial da história, onde acontecerá o humor.

- O João faltou - responde o marido, referindo-se ao sócio - Parece que está com gripe. E ele não podia ter escolhido um dia melhor.

A mulher tira a cabeça do chuveiro.

- Foi tão ruim assim?

- Não estou sendo irônico - responde o marido, que já tirou os sapatos e agora afrouxa a gravata - Eu me saí bastante bem com o chefe hoje. Lembra outro dia quando te falei que esqueci de enviar um dos contratos para um cliente? O chefe veio me xingar hoje, mas conveci ele de que tinha sido culpa do João.

A mulher quase escorrega no chuveiro. Ouve-se um barulho abafado no armário.

- Querido, achei que fosse amigo do Jõao - diz ela, massageando nervosamente o cabelo.

- Sabe, a nossa relação nem é mais a mesma que antes. Ele ficou muito desligado de todos, não sei porquê. Até se diz por aí que a Fernanda - a mulher dele, leitor - está tendo um caso com alguém da galeria dela.

A mulher deixa cair o xampu. O armário treme novamente.

- Mas ainda nem falei tudo - continua o marido, desabotoando a camisa - O chefe acreditou em mim e começou a criticar o Jõao. Acabou convencido que ia ter que demitir ele e passar a gerencia da área só para mim. Eu vou ganhar o dobro!

A mulher deixa condicionador cítrico entrar no olho. Um cabide quebra dentro do armário.

- Agora tudo vai mudar, querida! As crianças por fim vão ter mais coisas, você vai poder ficar mais arrumada, eu vou comprar aquele carro que te mostrei outro dia... - enumera o marido, reflexivo, enquanto tira as calças e se dirige ao armário.

A mulher, que novamente tinha tirado a cabeça do chuveiro, vê a cena e desespera.

- Querido, não abra o...!

Tarde demais. Um frente ao outro, de cuecas, os dois homens se encaram calados.

O que acontece agora, você se pergunta? O única coisa lógica que poderia acontecer no final desta crônica: O marido afasta um pouco para João sair do armário, com as roupas na mão, e deixar a casa.