– Ih: a metalinguagem já era.
– Olha, eu concordo que como recurso ela já deu no saco, mas dizer que acabou é ...
– Não. Eu disse que ela morreu mesmo. Ali, na esquina da Nóbrega com a Tenente Firmino, quando ia saltar do ônibus. A sandália ficou presa na porta, aí ela caiu de cara no meio-fio e pimba. Diz que ainda deu umas tremidas na perna, até chegar a ambulância. Acabou morrendo no caminho.
– Hm. Eu devia saber. O próprio título aí em cima não deixa de ser um presságio irônico. Quer dizer que a partir de agora esse nosso diálogo metalingüístico, sobre a ciclotimia das tendências literárias, e repleto de auto-referências, deixa de existir.
– Tá. Mas o que a gente faz?
– Bom. Comecemos admitindo então que não estamos mais no diálogo, uai. E que nossos travessões a partir de agora ficaram obsoletos.
– Que travessões?
– Esses aqui, antes da fala.
– Ah.
– Aliás, nem sei o que fazer com eles.
Não seja por isso: olha aí!
– Queisso?
Ué. Subi no travessão: tou usando de skate. E dá licença, dá licença que eu vou barbarizar nessa rampa aí, ó. Ai, ó, brôu!
– Caramba. Não era rampa. Era o cê do meu “Caramba”. Quase me acertou. E deixa de falar brôu; isso saiu de moda junto com a metalinguagem.
Opa, desculpa. Olha, tenta você também. É fácil.
Ooooooooops \ Ai! Não, não dá certo. Não levo jeito, não. Sou muito velho pra isso.
Então aproveita que você se machucou e usa seu travessão como bengala, ué!
| Ei. Tem razão. Olhaí. Eu agora tenho uma bengala. Tchururu.
Chique no úrtimo, brôu.
| Peraí. Você fica se equilibrando descompromissadamente no seu skate, eu posando de lorde com minha bengala... O problema é que com isso acabamos incorrendo na metalinguagem e dando andamento ao enredo!
Ah, pára.
| Sério! Olhaí: mesmo morta ela faz questão de deixar claro que fora dela não tem trama possível! Não podemos ceder. Não podemos. Precisamos lembrar que essa história não existe mais, caramba: temos que parar de interagir com os elementos constitutivos do texto! Precisamos deixar de acontecer.
Uai. Certo.
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| Mas... o que é isso, agora?!?
Malabarismo com os travessões, ué. A gente não tava usando mesmo.
| Dá pra parar?
Ah, ficou o maior tédio, aqui! Você olha e...
| Pssst! Não dialoga diretamente comigo. Não podemos fazer sentido! Disfarça e fala baixo. Fala baixo.
Tá. O lance é que isso de não acontecer acaba ficando um pé no saco, e...
| É, eu sei.
É, eu sei.
| Por mim eu punha agora um ponto final na história, mas seria sucumbir de novo à metalinguagem.
Por mim eu punha agora um ponto final na história, mas seria sucumbir de novo à metalinguagem.
| Você tá me imitando?
Você tá me imitando?
| Pára com isso!
Pára com isso!
| Pára, caceta!
Ué, não é pra falar baixo, neguinha?
| Escuta, a cada vez que você fala, ou faz sentido, ou tece uma situação, só piora tudo!
Ah, bobagem. Precisamos é passar o tempo. Ei, que tal ficar sem respirar até a fonte do texto ficar azul? Ou concurso de salto à distância com travessão? Não é porque a metafísica morreu que a gente vai ficar borocoxô, e...
| Peraí. Você disse... metafísica?
Ahn. Er.
| Foi a metafísica que morreu?!?
Uai. Me disseram que tinha sido uma meta-whatever aí. Nem reparei direito.
| Caraaaaaaaaaamba, eu devia saber! Eu devia saber! A metalinguagem não estava descendo do ônibus! A metalinguagem era o ônibus! Eu devia saber!
Ué. Se você diz...
| Aliás, dá licença.
O quê?
– Pronto. Voltei o travessão pro lugar dele. Agora tenha a gentileza de fazer o mesmo.
Ah, brôu, eu vou ficar aqui mesmo, ó.
– Desce desse skate agora mesmo! Vamos retomar nosso conto metalingüístico. E brôu não é gíria de skatista!
Vai, deixa eu ficar aqui. Ó, ó, dá pra fazer uns flips radicais nas falas, e...
– Põe esse travessão na frente de sua fala agora mesmo, ou...
Ou o quê?
– Eu dou um jeito de transformar suas falas em diálogo indireto!
Nhemnhemheitoehnhemformahemfalanhemnhiálogonhehnidireto...
– Como é?!?
– Nada. Nada não.