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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Anel de Polígono


As cortinas se abrem.

Não há nada no palco além de uma cadeira no centro, sob a luz do holofote. Entra o protagonista.

A. (angustiado) – Se estão aqui para ouvir algo novo, levantem-se e garanto que a linda jovem na bilheteria lhes devolverá o que gastaram. Sou Adam e o dilema que enfrento é igual ao que muitos, não digo todos porque me acusariam de arrogante, já viveram. Talvez, exceto os sortudos, talvez.

(senta-se na cadeira)

A. – Estou prestes a me casar ou a me matar, sem trocadilhos. Viviane é uma mulher linda e generosa. Tudo está marcado para semana que vem, na sexta. Porém, há o conflito, a complicação, claro, porque sempre há: a irmã. Quantas vezes mesmo eu já ouvi essa história? Amigos... conhecidos.... desconhecidos.... meu próprio pai passou por isso. Não adianta, a trama ciclicamente volta e nós caímos novamente. Estou exausto!

(Um feixe de luz incide sobre o canto direito do palco e aumenta gradativamente até o máximo. Trilha gregoriana: entra Viviane)

(Assim que sua silhueta começa a ser vista, risadas de deboche ecoam vindo de trás do palco)

V. – Não ria de mim, sua psicótica!

(A risada não para e, um pouco abalada e envergonhada, Viviane segue entrando)

V. – Meu amor, ouvi que estava exausto. Olhe, tome um copo de água.

M. (Do fundo do palco) Sua submissão é desprezível!

A. – Cheguei a citar que as duas irmãs estão aqui? Viviane e Mônica. O que as liga é o parentesco sanguínea e só.

V. – Meu amor é incondicional!

M. (Do fundo do palco) Eu não vim até aqui para falar contigo, lesma. Vim tomar o que é meu.

V. – Pois bem, vá embora. Não há nada que lhe pertença aqui.

M. (Do fundo do palco) - Não foi o que pareceu ontem ao telefone, não é querido?

V.- Cale a boca, ele me ama, tudo está marcado! Você não fará isso de novo comigo, Mônica! Ele sequer lhe conhece!

M. (Do fundo do palco) – Ora, essa é minha vantagem: o mistério. Você é como um entediante documentário de 6 horas sobre índios americanos, eu sou um ingresso para a montanha russa.

V. – Isso para mim é um elogio, um documentário certamente é muito mais útil do que um passeio no parque.

M. (Do fundo do palco) Claro que seria um elogio para você! Além de tudo, sempre foi lerda, sonsa. Não estou falando de escola, estou falando de viver! Deixe-me ser mais clara. Você: tédio. Eu: descobertas. Exatamente o que você mais gosta, como me disse ontem ao telefone, não é “Charlie”... (risos).

A.- Pare de dizer o que não deve, Mônica! Apenas palavras não podem abalar o que sinto! Você acha mesmo que eu trocaria todos os bons momentos que eu vivi com sua irmã por uma ou duas conversas ao telefone? Se continuei naquilo contigo, foi por falta de força, mas não se repetirá. Nunca vi seu rosto e você já pode sair daqui porque espero nunca vê-lo!

M. (Do fundo do palco) - Quem disse que vim lhe oferecer palavras, “Charlie”? Não faça esse joginho hipócrita agora... Hoje mesmo conversamos e sua curiosidade estava, digamos, peculiarmente alta. Você nunca me viu, mas já sonhou mais comigo do que com ela...

V.- Sua pervertida!

M. (Do fundo do palco) - Mas eu compreendo os “bons momentos” que passaram juntos... posso imaginar a clássica cena de você dormindo sobre o colo dela debaixo de uma arvora, dormindo sobre o colo da imaculada num banco da praça, cochilando nela no sofá de casa, dormindo com ela ao lado da lareira... dormindo... dormindo... é tudo que ela pode te oferecer... o tédio, o sono....

V.- Qual o problema de dividir bons momentos com quem se ama? Dormir junto é um sinal de confiança...

M.- Bem, asseguro que comigo você não dormirá, “Charlie”

V.- Sórdida! Pare de chamar meu noivo assim, o nome dele é Alam! Melhor, pare de se dirigir a ele e vá embora!

M. (Do fundo do palco)- Sórdida? Pra quem? Falsa! Nessa existência temos que fazer de tudo para sermos felizes. É como se tivéssemos ganhado ingressos grátis no maior parque de diversões do universo e você aí se resguardando para sei-lá-o-que. Desde que não interfira na vida de ninguém, aproveite a sua! E, a propósito, foi ele mesmo quem escolheu o apelido...

A.- Deixe-me, pelo menos saber como você é...

(sobe uma luz meio tom enquanto a silhueta de Mônica começa a surgir, lentamente. Sem trilha)

M. (quase sussurro, indo em direção a Alam) – Engraçado perguntar como sou porque ninguém sabe exatamente. Não me refiro a nenhum sentido psicológico-depressivo, mas esses últimos 5 anos na França realmente me mudaram. Nem minha família me viu, vim do hotel diretamente até você. - (parada há 10cm da nuca do protagonista, por trás, na penumbra) Ruiva? Loira? Mulata? Alta? Olhos claros? Escuros? Como será que eu sou?

A. (sarcático) – Não me diga que você pode ser o que eu quiser?

(A luz se apaga)

M (sussurro se afastando) Não, querido. Eu sou o que você não conhece...

A. - ... Que faço? (afasta-se das duas e aproxima-se do público) É como se fosse um jogo de luz e sombra. A voz da Viviane me conforta, da Mônica me desperta. Com minha noiva sei que terei uma vida boa, tranqüila e longa. Com Mônica, existe a possibilidade que eu tenha muito mais, mas é só possibilidade. É meu corpo contra minha alma. Minha razão contra meus instintos. Não estou aqui para que me julguem, já me basta o tribunal da minha própria consciência, mas quero que me ouçam. Tenho que escolher para qual darei, enfim, esse Anel de Polígono. Jóia de família, esse rubi de treze faces encravado no ouro 24 quilates, foi esculpido por meu bisavô. Esse anel é como um ciclo e é aí aqui está sua importância.

V.- Eu não posso acreditar que esteja em dúvida, meu amor! Eu lhe ofereço tudo o que pedir! (se ajoelha). Serviços domésticos, trabalhos, sacrifícios... Tudo, TUDO!

(Adam começa a caminhar em direção ao lado esquerdo do palco, onde Mônica se esconde, com o anel em mãos. Viviane rasteja atrás)

V. – Nossos planos! A casa na montanha! Nossos filhos! Não arruíne tudo, Adam! Quer que eu corte o cabelo? Pinte? Faça alguma cirurgia? Por favor, querido, minha viagem nesse lugar não tem sentido sem você!

(Adam não vacila e segue, lentamente, em direção à Mônica)

M. – Poupe suas lágrimas de cristal, irmãzinha. Enxugue esses olhinhos azuis e recomponha seus cachos loiros. Eu desisto.

A. (desespero) e V. (confusa) – O quê?

M.- Em todo bem há mal. Quanto mais luz, mais sombra. Todos os seres tem seus momentos de maldade e de bondade. Talvez eu queira simplesmente ser benevolente, talvez esteja envergonhada por sua decadência obcessiva e a facilidade com que conquistei seu precioso tesouro ou talvez eu só pense que esse joguinho fique mais interessante assim. Pense o que quiser, fique com ele agora. No fim, todos eles vem para mim, como sempre foi e sempre será, maninha. Você pode ter a vantagem de começar, mas depois de desfrutarem uma curta travessia contigo pelos campos da tranqüilidade e do cotidiano, eles sempre me procuram ou eu os encontro, para que terminem no meu desconhecido leito. Afinal, tudo que é quente esfria.

Mônica se retira.

Fecham-se as cortinas.




Um comentário:

Anônimo disse...

Quando a peça será apresentada?
SHOW DE BOLA!
Parabéns!

Ana