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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Modo Subjuntivo



Às dezessete horas, o sol já estava morno. O céu começava a se manchar de um laranjado-magenta que sinalizava a proximidade do crepúsculo. Um fim de tarde que encerrava, com chave de ouro, aquele dia ensolarado de poucas nuvens capaz de dar vida nova a qualquer um que parasse um segundo para deslumbrar essa dádiva. Como se alguém parasse.

Apesar da barulhenta cidade, da multidão de pessoas e carros e de todos os problemas que existem. Naquele dia, alguns pássaros ousaram cantar e as árvores estavam em flores. Era um cenário típico do mais romântico dos contos de fadas. Como se alguém notasse.

Ela estava absorta em seu livro. Apaixonada pela filosofia clássica, se perdia platonicamente no seu mundo das idéias. Mesmo com toda bagunça e desordem, sublime e alheia, Minela estava completamente envolta em sua leitura. Sentada na praça principal daquela cidade tão importante, quase na posição de Lotus. Sentia, ou pensava sentir, uma certa repulsa por todos aqueles que passaram, em suas vidas insignificantes, mesquinhas e pequenas.

Ele era fruto do caos, Herbert, um entregador. Saindo da transportadora e indo em direção à moto, ele atravessa a praça com sete ou oito caixas na mão e alguns papeis na outra. Pensando em qual seria o melhor caminho para pegar, como evitar aquele terrível tráfego da região central, sair do olho do furação do jeito menos ruim. Sentia o estômago roncar, não havia almoçado por falta de tempo. Andava intrigado com como aquele trabalho era incrivelmente chato e em como ainda faltava tanto tempo para a sexta-feira: era quinta. Mas ainda sim, preferia ser do jeito que era do que a ser um “engomadinho” qualquer.

Ele passa em frente a ela. Sem mais, segue em frente e nem tem porque olhar para os lados. Já está a cerca de dois metros dela, quando volta. Para em frente ao banco, coloca as coisas que carregava ao lado dela.

Se dissesse "oi", provavelmente ela responderia "oi?", distraída com seu livro, ele repetiria "oi!" e os dois ririam daquela confusão tola. Talvez ele gostasse da voz dela e perguntasse o que lia e ela, por educação, claro, responderia perguntando se ele já havia lido. Com a possível negativa debochada, ela seria tentada a lhe convencer do quão importante é a filosofia e ele a ouviria só pelo prazer das sílabas saindo naquele timbre, frequência e altura tão próprios. Depois talvez ele até gostasse do assunto e lembrasse do livro que lera quando pequeno, sobre uma menina que recebia um estranho curso de filosofia pelos correios. Ele bem que pediria mais indicações e talvez ela aceitasse dar. Talvez até marcassem de se rever para que ela descobrisse como é "a emocionante vida sobre duas rodas". Quem sabe eles se dessem impressionantemente bem e nunca mais conseguissem conceber um dia sem a presença um do outro?

Numa quinta-feira, às 17:12, a uma pessoa totalmente desconhecida, em plena a praça principal? Herbert, evidentemente, amarra os tênis e continua seu caminho até a moto. Como se ele fosse mesmo dizer oi

3 comentários:

Alim. disse...

Massa, cara, brincar c o leitor desse jeito..belo txt!!
Abrass, irmaum...

Jessica disse...

Texto bem legal! A foto me lembrou que eu nunca fui à Praça do Papa... deu vontade de ir.

Jessica disse...

É engraçado o quanto muitas vezes por esses mil medos que passam em nossa cabeça deixamos de fazer as coisas. Ótimo texto!