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terça-feira, 11 de agosto de 2009

Um dia se é o vigilante, outro o vigiado

Outro dia estava em meu quarto, me preparando para ir para a academia, quando vi pela minha janela uma imagem singular: Um homem, de uns 50 anos, com o torso nu, estava olhando pela janela de um prédio perto do meu. O interessante é que o corpo dele saía da janela, ele parecia estar muito interessado no que olhava. De repente, ele entra e sai correndo para dentro de sua casa. Eu fiquei estranhado: O que ele poderia ter visto que faria ele sair correndo? Ou seria talvez que alguém estava vindo e ele não queria revelar sua personalidade voyeur?

A verdade era, ao mesmo tempo, inusitada e previsível: Ele voltou correndo segundos depois com um binóculo na mão, e procedeu a olhar de novo para fora. A corrida estava explicada: Ele tinha encontrado alguma cena muito interessante e não queria perdê-la, mas precisava analisá-la a fundo. Eu fiquei olhando, perplexo. Um homem olhando com binóculos pela janela me pareceu demais. Binóculos. Imaginem qual não foi meu pânico quando ele soltou o objeto com uma das mãos. Mas, graças a Deus, ele só coçou o pescoço.

Eu fui embora para a academia, mas a cena ficou na minha cabeça. Parecia-me perturbador. Mas, aos poucos, fui percebendo que o que eu tinha feito não era tão diferente assim. Tudo bem que eu não tinha ido pegar binóculos, mas a verdade era que tinha ficado preso por uma cena interessante (claro que nem remotamente tão interessante quanto a que o homem devia estar vendo). E, oh supressa, quando voltei em casa, olhei de novo pela janela. E outras vezes depois. Consegui descobrir, por exemplo, que o homem é casado, e têm no mínimo um filho e uma filha. O filho gosta de jogar videogame (de futebol, especificamente) até altas horas da manhã. No andar de baixo mora um casal também, com filhos pequenos, e o marido faz academia. Em outro prédio, num andar que fica na altura do meu, mora uma família de pai, mãe e filho, sendo que o pai trabalha com videogames (não tem hora que eu passe e ela não esteja sentado jogando, e os equipamentos no quarto mostram que é seu trabalho). Ele almoçam muito cedo e jantam muito tarde. Embaixo deles mora um homem de meia idade que adora fumar cigarros de palha na janela da área de serviço. Ele namora um outro homem bastante mais jovem, com quem costuma jantar lasanha. Uns andares mais acima, alguém acabou de se mudar e contratou uma empregada que dorme dentro de casa.

Pode até parecer que eu passo meus dias na janela. Não é assim. Com uns poucos momentos por dia eu cheguei a conhecer a rotina destas pessoas, me surpreendendo com o previsíveis que chegam a ser. E com o tanto que eu sei delas, e ao mesmo tempo o pouco que sei. É engraçado, comecei a criar uma certa ansiedade de um dia encontrá-las na vida real. Eu não sei seus nomes, mas posso adivinhar que hora irão dormir. Não sei sua história, mas sei com quem moram.

Comentei com outros. Não sou o único. Em horas de tédio, a janela chega a ser melhor do que a televisão. É uma espécie de Big Brother, sem o fingimento, as confissões e o prêmio. Mas, como no programa, você é uma testemunha a algo completamente alheio e sobre o que, no entanto, você passa a criar opiniões. Sobre seus cortes de cabelo, suas escolhas de roupa, a decoração de suas salas. Inclusive sobre seu comportamento. Outro dia eu vi o marido que vai à academia brincando com seus filhos no sofá e meu coração se encheu de ternura. Aí, claro, eu fui viver minha vida.

Há um pensamento, no entanto, que me incomoda: Será alguém testemunha da minha vida? Será que alguém já fez deduções sobre mim, sobre o que faço e como me comporto? Vai ver um dia olho pela janela e vejo um par de binóculos apontados para mim.

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