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quinta-feira, 25 de junho de 2009

Palavras de balcão

Não havia brisa que desce cabo daquele calor abafado. Apesar das altas horas, uma e quarenta da madrugada, o ar não circulava e o suor escorria pelo rosto das pessoas.

Num pequeno bar de subúrbio, um garçom cochilava no balcão. O lugar estava vazio exceto por um grupo boêmio de moscas que sempre freqüentava o local e se aproveitava dos restos de bebida e comida deixados em cima das mesas. E exceto, também, por um homem recostado na porta.

Um tipo comum, cabelos castanhos e grisalhos, altura mediana e um olhar perdido, que era o menor dos sinais que o álcool imprimira nele. O cheiro que exalava podia ser percebido há metros e seu andar em ziguezague comprovava que os treze copos cheios que bebera, definitivamente, não continham água.

Hesitante, o anônimo dava um passo adentro do bar e outro para fora. Há trinta minutos, sempre o mesmo movimento: encostava-se à pilastra da entrada, respirava fundo, entrava um passo, vacilava, pensava e voltava dois, parando fora do botequim. No balcão, o atendente já havia desistido de perguntar, todas as sete vezes que tentou foi ignorado.

Em uma de suas tentativas, o indigente acabou conseguindo. Às pressas, chegou ao garçom trocando as pernas:

- Me vê um ron, jovem. Seco. – Bradou firme o bêbado.

O garçom se espantou com a súbita compostura do idoso, se espantou tanto que acabou derramando a dose em cima do freguês.

- Desculpe-me, senhor. Foi um acidente.

O bebum olhou o trapo que vestia, agora molhado. E nem uma ruga de incômodo lhe surgiu. Usando da sabedoria do povo, aquela que se aprende na vida, na rua, ele disse:

- Não há de ser nada, meu caro. O que será isso daqui a dez anos? Não há de ser nada.

Dois olhares entediados se encontram numa festa de aparências. Duas bocas se abrem em sorrisos sinceros.

Depois de dez anos,

As mesmas bocas se juntam, selando um compromisso eterno.

Inconsequentemente, um homem dispara contra a mulher que resistiu ao assalto.

Dez anos, contados dia a dia, passados,

A porta do presídio se fecha atrás de quem pagou sua dívida.

Num lugar escondido de todos, um grupo de amigos se diverte. Um jovem decide saciar sua curiosidade perigosa.

Após dez anos,

Dá entrada no Hospital Central outra vítima de overdose que durou muito.

No “melhor aniversário de todos os tempos”, um garotinho ganha o “melhor presente do mundo”: um cachorro.

Dez anos depois,

As lambidas de um velho cão fazem cócegas na cabeça do jovem aprovado no vestibular de medicina veterinária.

Em 1976, uma garota sonhadora entrega panfletos libertários pelo centro da cidade. Foragida de quem não acredita na Igualdade, ignora a Liberdade e zomba da Fraternidade.

Depois de uma longa década,

Ela, menos jovem e mais jovial, comemora a saída do último homem a ditar a dor.

De volta ao boteco, o garçom desdenha:

- Que seja, velho. Só estou tentando ser educado. Outro ron? São mais R$ 2,50.

2 comentários:

Amandex disse...

Lindissimo o post
Adorei!!!

preciso nem comentar a respeito da qualidade né?!
Ta otimo, top de linha

Beijos

Mariana disse...

... Dos três macacos, sem praxe, vc é o q come mais bananas! ...

Muito bom!