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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

"Denotativamente conotativo... um texto para rolar de rir"

O escritor número 1 entra na sala. Todos ficam calados.

- E? - pergunta o escritor número 12, atual campeão do grupo, pois seu último livro foi chamado pelo Jornal Acadêmico de "não só satisfatório, senão prazeroso em um nível quase sensual".

- Bem, a Revista Literária disse "Delicioso, e recheado de ambigüidades construtivas" - diz o escritor número 1, com cara de uma criança ao mostrar um desenho aos pais.

Todos soltam suspiros de alívio e onomatopéias de desdém.

- "Ambigüidades construtivas"... que bobagem - diz o escritor número 3, que, todos muito bem sabem, não tem um livro de sucesso (nem crítico nem comercial) em um bom tempo - Qualquer idiota pode construir uma ambigüidade. Mas só um verdadeiro mestre pode, e agora eu cito a Publicação da Literatura Norueguesa, "dar tantos significados à palavra 'morte' que até quer dizer ‘vida’". Referiam-se ao meu "A Sociedade jaz morta", mil novecentos... - e deixa o número no ar, como se não lembrasse, para que ninguém perceba o quanto tempo realmente faz desde que recebeu a honraria.

- Mas eles estavam se referindo, obviamente, à tradução norueguesa - diz o escritor número 1, juntando-se aos companheiros na mesa redonda. Ele não está chateado pela atitude dos colegas, pois sabe muito bem o que é temer o sucesso alheio. Mas ser criticado por 3 era demais.

- E quem fez a tradução norueguesa? - responde o número 3, com ironia. Não foi ele, mas espera que todos acreditem que foi e lhe deixem saborear a superioridade.

- Não se sinta mal, 1. Todos já fomos chamados de ambíguos - diz o número 5, se bem que ele ainda tem que ser chamado ambíguo, pois as únicas ambigüidades que consegue escrever são as que a reforma do português lhe proporcionam (e se delicia colocando 'pelo's e 'para's em lugares estratégicos do seu texto).

- Suponho que é um bom começo - conclui 1, enquanto pega uma massinha recheada da mesa de chá.

- Claro que é! Eu, nos meus primeiros dias, teria me sentido exultante se alguém me chamasse de "delicioso" - assegura 12, e todos sabem que o diz porque, nos seus primeiros dias, ele não só era chamado de "delicioso" mas também de "candidato seguro ao prêmio Nobel". Prêmio que, todos lembram com prazer nos dias de tristeza, ele ainda está para conseguir.

- Você está no bom caminho. Quando eu ganhei a Pena de Ouro pelo meu "Caminhos no Milharal" - diz 4, referindo-se a um prêmio que seus colegas chamam pelas costas de "Pena de Latão", pois nunca se ouviu de um escritor decente que o ganhasse (eles, com certeza, não ganharam) - foi pela minha habilidade de conferir, às palavras, não só mais de um significado, mas aquele que, segundo o diretor da academia, "lhe é inerente, ao ponto de, lendo esta obra, sentirmos que um novo dicionário está sendo escrito nesta nossa bela língua".

- Se você quiser, posso te emprestar um guia que ganhei, autografado pelo autor, sobre "Palavras e Coisas: O que uma diz da outra?" - diz o número 6, o "Invicto", pois sempre gostou mais de ler do que de escrever, mas seu único livro foi um sucesso indiscutível. Ele já leva vinte anos preparando a continuação. Todos sabem que é uma estratégia: Obras póstumas recebem muita mais atenção da mídia.

- Não, não, 6, assim você estraga o garoto. Deixe que a vida lhe ensine uma coisa ou duas - diz 11, cuja professora havia sido na verdade a Universidade Israelense de Letras (que, pelas críticas que sua última trilogia recebeu, necessitava ser urgentemente substituída pela vida).

- O importante - diz 7, e todos se calam, porque 7 raramente fala (mas, quando o faz, "solta um rugido capaz de abalar o mundo", segundo o Guia de Escritores do Século XX) - é que ele começou bem, e ainda é jovem. Nosso dever é ajudar a nova geração.

O silêncio permanece depois de 7 falar. "Ajudar a nova geração"? 7 obviamente não está bem da cabeça. Quem liga para a nova geração? Eles eram o que importava! Uma vez que estivessem mortos, a literatura jazeria com eles! Escrever, a nova geração? Escrever sobre o quê? 7 realmente estava um pouco senil.

- Ah! Esqueci de falar - diz 1, quebrando o gelo - A Revista dos Professores de Faculdade recomendou meu livro para os graduandos em letras. Disse que é "o perfeito exemplo de porquê escrever já não é uma questão de talento, senão uma questão de fome".

3 comentários:

Anônimo disse...

humor refinado, é disso que precisamos...rsrsr
as frases citadas são suas msmo?

Jessica disse...

"Ele já leva vinte anos preparando a continuação. Todos sabem que é uma estratégia: Obras póstumas recebem muita mais atenção da mídia." - amei! ahauaha
todo o texto, na verdade! ótimo mesmo!
esse macaco tem muito talento! xD

Edu Silva disse...

nem li...

mas ta mto bom!!!